Endocrinologia,  Tireoide

Hipotireoidismo

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O hipotireoidismo é uma doença causada pela queda na produção dos hormônios tireoideanos. A principal etiologia no Brasil é a tireoidite de Hashimoto, uma doença autoimune. Outras causas de hipotireoidismo são deficiencia de iodo, hipotireoidismo central, hipotireoidismo induzido por radiação e secundário a tireoidectomia.

Os sintomas são inespecíficos – fadiga, queda de cabelo, unhas quebradiças, constipação, pele seca, depressão, infertilidade, hiperlipidemia. Geralmente, mixedema, bócio e ganho de peso só se manifestam em casos mais avançados da doença. Deve-se suspeitar de hipotireoidismo em pacientes idosos com declínio cognitivo e em pacientes jovens com depressão de início recente. É recomendando dosar o TSH de indivíduos com > 35 anos a cada 5 anos.

A dosagem de TSH é o principal exame para realizar o diagnóstico. TSH normal descarta hipotireoidismo primario. Se o TSH estiver aumentado, deve-se dosar o T4 para diferenciar entre hipotireoidismo (T4 baixo) e hipotireoidismo subclínico (T4 normal). Nos pacientes com hipotireoidismo subclínico esta indicado dosar anti-TPO (anti-tireoperoxidase), que se postivo é um preditor de desenvolvimento de hipotireoidismo. Se houver suspeita de hipotireoidismo central a abordagem inicial deve ser testar o TSH e T4 simultaneamente – espera-se que ambos estejam reduzidos.

O tratamento do hipotireoidismo subclínico varia de acordo com o valor do TSH e a idade do paciente.
– TSH > 10, T4 livre normal: iniciar tratamento para todas as idades.
– Idade < 65 anos: Pode haver beneficio em tratar pacientes com TSH > 7 por reduzir risco de eventos cardiovasculares e melhorar o perfil lipídico. Considerar tratar pacientes sintomáticos com TSH > 5. Todas as pacientes gestantes devem ser tratadas.
– Idade > 70 anos: Tratar apenas se TSH > 10. O limite superior da normalidade do TSH aumenta com a idade, e em idosos pode ser 6-7. Estudos observacionais indicam uma associação entre níveis altos de TSH e melhora da mortalidade e bem estar em idosos.

A principal medicação utilizada no tratamento do hipotireoidismo é a levotiroxina, um composto sintético da tiroxina (T4). A tireoide produz os hormônios T3 e T4 – cada um contendo, respectivamente, 3 e 4 moléculas de iodo na sua composição. A tireoide é responsavel por 100% da produção de T4 e cerca de 20% da produção de T3; os outros 80% são produzidos no fígado ou em outras regiões do corpo por enzimas que retiram uma molécula de iodo do T4. O T3 então entra no núcleo das células e ativa os receptores genéticos regulando o metabolismo. O uso da levotiroxina não suplementa os 20% de T3 produzido pela tireoide, mas provém substrato suficiente para que o corpo produza os outros 80%.

Em pacientes jovens e sem comorbidades a dose inicial de levotiroxina deve ser 1,6ug/kg. De acordo com um estudo recente, para pacientes com IMC alto deve-se considerar uma dose inicial menor, que se aproxime mais do peso ideal do que do peso real.
Em pacientes com mais de 65 anos a dose inicial deve ser entre 25-50mcg (25mcg se doença cardiovascular) e a progressão da dose deve ser realizada em incrementos de 12,5 a 25mcg por mês. Doses iniciais mais altas podem ser utilizadas em pacientes que foram submetidos a tireoidectomia e apresentavam função tireoideana previa normal. Recomenda-se avaliar o TSH sérico após 6 semanas, sendo o alvo o limite superior da normalidade (4-6). Uma vez alcançada a meta, o TSH deve ser retestado anualmente.

Algumas substancias podem reduzir a absorção da levotiroxina como suplementos de ferro, antiácidos que contém hidróxido de alumínio, alimentos derivados da soja, multivitamínicos e vitaminas do pré natal. A dieta também pode influenciar na absorção, assim alterações importantes do padrão alimentar podem requerir um ajuste de dose. Por ter uma meia vida de 7 dias, a levotiroxina pode ser tomada a qualquer hora do dia, desde que respeite um intervalo de 3 horas entre as refeições. O mais importante para o sucesso do tratamento é que o paciente seja consistente no horário de tomada da medicação. Espera-se que os sintomas do hipotireoidismo se resolvam em 2 a 3 meses após a normalização do TSH.

No Brasil a levotiroxina esta disponível sob os nomes comerciais Puran T4, Euthyrox, Levoid e Synthroid. Podem haver variações na biodisponibilidade da levotiroxina de marcas diferentes, por isso é recomendado ater-se a uma só marca durante o tratamento. Caso o paciente opte por mudar de fabricante é importante solicitar uma nova dosagem de TSH após seis semanas e ajustar a dose se necessário.

O intervalo normal do TSH sérico é entre 0.4-4.0mIU/L sendo que 95% dos individuos sem doença tireoideana apresentam TSH < 2,5IU/L. Assim, é de praxe que o tratamento objetive reduzir o TSH para valores próximos ao limite inferior da normalidade. Porém faltam evidencias cientificas que embasem essa prática. Um ensaio clinico com pacientes com hipotireoidismo randomizado para niveis de TSH em 3 intervalos (0.34 a 2.50, 2.51 a 5.60, ou 5.61 a 12.0 mU/L) não encontrou relação entre o valor do TSH e qualidade de vida, humor e desempenho cognitivo. A SBEM recomenda como TSH alvo o valor correspondente a metade do limite da normalidade. O perigo de buscar um valor de TSH no limite inferior é induzir um hipertireoidismo iatrogênico, que esta relacionado a um risco aumentado de fratura e fibrilação atrial.

Mulheres em idade fértil devem ser aconselhadas quanto a necessidade de ajustar a dose da levotiroxina caso engravidem. O desenvolvimento fetal no primeiro trimestre depende do T4 materno, portanto idealmente o ajuste deve ser realizado o mais cedo possível, assim que a gestação for diagnosticada. O incremento deve ser aproximadamente 25-40% da dose usual. A paciente deve voltar a usar a dose habitual de levotiroxina imediatamente após o parto. A levotiroxina não pode ser tomada no mesmo horário que as vitaminas do pré natal.

Por fim, é importante lembrar de uma situação que é incomum porém relevante. Algumas pessoas usam biotina como um suplemento para unhas e cabelo. Em geral o suplemento contem 5K-10K mcg de biotina, sendo a dose diaria recomendada de 70mcg. O excesso de biotina pode produzir um valor de TSH falsamente reduzido e de T3, T4 e T4l falsamente aumentado, ou seja, pode levar a um diagnóstico bioquímico de tireotoxicose. Há relatos de caso de pacientes em uso de biotina que foram tratados inadequadamente com metimazol.


Fontes:

Projeto Diretrizes SBEM
The curbsiders – #208 Hypothyroidism Master Class with Susan Mandel MD, MPH

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